Eleutheria ficava observando as crianças brincando em frente das casas. Cada uma delas, ainda, não entendia muito bem como as coisas funcionavam e seguiam os ritmos da vida de criança. Como não estavam iniciadas nas regras dos comportamentos sociais, só podiam se movimentar de acordo com suas vontades e seus medos e impulsos. Eram suas preferências, seus desejos e seus temores que guiavam os passos infantis. Se algo desse errado, reagiam por revolta: choros em companhia de gritos, empurrões, mordidas, manhas... E os adultos a lhes dizer que haviam regras e condutas a serem seguidas.
Eleutheria entendia que as interações sociais eram atravessadas por símbolos. Entre duas pessoas, haveria sempre um conteúdo para conduzir e significar a relação. Certa vez, ouvira que, entre um professor e um aluno, existia um “campo de força” e de significados anteriores às suas vidas. Senão, porque tantas gerações mantêm comportamentos tão semelhantes na interação professor-aluno? Eleutheria compreendeu que regras sociais e seus significados existem antes do comportamento individual. E que aquelas coisas se repetiam na condição de família, de trabalho, de religião, de consumo. Deu gargalhadas altas e longas quando entendeu que todos, ao mesmo tempo, davam “fé” ao “dinheiro” como símbolo de valor e medida de conversibilidade das coisas. Incrível isso: como “coisa” física. dinheiro era papel.
Certa vez, tomando café numa lanchonete pequena, com flores e cheiro agradável, ouviu um homem afirmar que queria comprar uma arma para poder exercer sua liberdade de defesa. Por um impulso ...
Eleutheria entendia que as interações sociais eram atravessadas por símbolos. Entre duas pessoas, haveria sempre um conteúdo para conduzir e significar a relação. Certa vez, ouvira que, entre um professor e um aluno, existia um “campo de força” e de significados anteriores às suas vidas. Senão, porque tantas gerações mantêm comportamentos tão semelhantes na interação professor-aluno? Eleutheria compreendeu que regras sociais e seus significados existem antes do comportamento individual. E que aquelas coisas se repetiam na condição de família, de trabalho, de religião, de consumo. Deu gargalhadas altas e longas quando entendeu que todos, ao mesmo tempo, davam “fé” ao “dinheiro” como símbolo de valor e medida de conversibilidade das coisas. Incrível isso: como “coisa” física. dinheiro era papel.
Certa vez, tomando café numa lanchonete pequena, com flores e cheiro agradável, ouviu um homem afirmar que queria comprar uma arma para poder exercer sua liberdade de defesa. Por um impulso, o café, que estava descendo saborosamente pela garganta, parou e engasgou. Um pouco de tosse! Eleutheria imaginava que aquele homem não entendia a liberdade como um fenômeno de leveza e prudência, orientada ao outro, num mundo cheio de símbolos e sentidos. Eleutheria já tinha ouvido muito sobre este tema na TV, nos jornais e nas redes sociais. Era curioso observar que eram homens – talvez, raríssimas mulheres – que queriam ser livres com uma arma na cintura.
De repente, o homem, com seus cabelos levemente grisalhos, no grupo dos 40 anos e olhar severo como o de um lutador, com cerca de 80 quilos, abriu parte de seu casaco e, aparentemente, mostrara algo que seria uma arma. Eleutheria ficou assustada. A arma, que serviria para a liberdade, causara medo e angústia. Na mesa ao lado, uma mulher, com uma criança daquelas que brincavam em frente das casas, teve a mesma reação. Pegou a criança pelo braço, com força, para escapar do ambiente que, outrora, era para garantir a liberdade de ser e de estar.
Num canto próximo, outro homem se movimentou com precisão. Atentou ao que ocorria, ajustou sua coluna ao banco estofado e à parede, deixou uma mão sobre a mesa e afastou, para sua direita, a xícara de café e o prato com pedacinhos de pães torrados. A outra mão foi deixada para baixo. Seu olhar era arguto, a respiração ritmada, e os ouvidos buscavam a conversa do homem levemente grisalho a duas mesas à sua frente!
Se a arma podia defender um, a todos os outros seria mistura de aflição e temores. O comportamento humano pode ser carregado de impulsos involuntários e acidentes, como o café na garganta e o engasgo e os impulsos. Pior é quando homens se sentem carregados de verdades, como as crianças movidas por suas preferências, desejos e vontades a guiar seus passos infantis.
Num movimento brusco, o homem grisalho levou sua mão direita à cintura e, por impulso, aquele do canto reagiu e atirou. O tiro acertou o ombro e os cabelos grisalhos foram manchados de sangue. Para o homem ferido não havia arma, mas uma pequena bolsa presa ao cinto. A arma convocada para a liberdade, em mãos de humanos cheios de medo e insegurança, deixou marcado nos espíritos, no ombro, no cabelo e nas paredes daquele lugar, a tortura do medo!
Não havia liberdade ali, e a lanchonete fechou!