ATIVISTA

Por defender a Amazônia, ela foi ameaçada de ser queimada viva

Para a ativista e sindicalista Ivete Bastos, monocultura da soja destrói comunidades no Pará

Agência Pública [editores@diarinho.com.br]

Por Texto: Leandro Barbosa | Edição: Thiago Domenici

Ivete Bastos, 56 anos, é presidenta do Sindicato de Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém, no Pará. Sua vida é dedicada à Amazônia. Motivo pelo qual ela não vê, ao menos por ora, a possibilidade de se aposentar. “A nossa Amazônia está muito devastada, essa é a verdade. Então, ao mesmo tempo que a gente pensa que, ao chegar a uma certa idade, outros estarão à frente levando a bandeira, por outro lado, a única alternativa é somar forças”, diz ela.

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Ivete Bastos nasceu na comunidade Dourado, no distrito de Arapixuna, que hoje faz parte do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande, em Santarém, criado em 2005: “A gente chama de assentamento, porque esse é o nome que o governo deu. Somos uma comunidade tradicional. Nós somos filhos da terra, da floresta, da água. Nós pertencemos a esse território.”

Sua luta pela floresta colocou um alvo em suas costas. E mesmo assim ela diz que não vai esconder o rosto. Ivete já foi ameaçada de morte pelo papel que tem desempenhado à frente do sindicato desde os 30 anos, quando assumiu o posto pela primeira vez. 

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Ela diz que na ocasião a luta era outra: o corte de madeira na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns. Situada nos municípios de Santarém e Aveiro, a reserva possui cerca de 650 mil hectares e é uma das mais populosas do país, com aproximadamente 5 mil famílias distribuídas em mais de 70 comunidades e aldeias indígenas.

“Apesar de tudo, nesta época não havia tantos conflitos como vemos hoje com a chegada da soja em Santarém, no final da década de 1990. Hoje, são várias comunidades espalhadas por Santarém vivendo inúmeros conflitos”, afirma a ativista. 

Amiga de Dorothy Stang, ativista assassinada em Anapu em fevereiro de 2005, e, também, do casal de defensores de direitos humanos Maria do Espírito Santo e José Claudio da Silva, assassinados em maio de 2011, em Nova Ipixuna, Ivete se vê entre a angústia de ter o mesmo destino de seus amigos e a necessidade de lutar pela Amazônia. 

“Parece que a gente vai junto [com a pessoa que morreu]. Passa um dia e a gente fica doente, acamado. No psicológico parece que serei a próxima [a morrer]. Ainda mais sabendo que o meu nome ‘está na lista’ daqueles que querem meu silêncio. É tanto defensor da floresta mutilado porque recebeu um tiro. Àqueles que sofrem represálias como eu, que já fui tirada de dentro de casa e tentaram queimar onde eu vivia”, conta a agricultora. “Não importa quem tenha morrido. Pode ser alguém que eu nunca vi, eu sofro como se eu conhecesse. Ninguém merece perder a sua vida porque defende uma causa tão importante. A floresta não serve só para mim e àqueles que apoiam a nossa luta. Ela serve pra todo mundo. E são poucos os que enxergam que ela é tão importante”, enfatiza.

Ivete conta que já foi ameaçada de ser queimada viva. Já ofereceram a ela suborno – “com um capanga armado ao lado” – para que se afastasse de seu cargo no sindicato, que atua na defesa de direitos de agricultores familiares, indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas. Contudo, afirma: “isso é inegociável”. Lutar pelo direito de quem vive na Amazônia custou a ela a tranquilidade de um lar, uma vez que as ameaças a obrigaram a mudar de casa inúmeras vezes. E também a condenou a viver longe de sua família por um tempo. 

De 2007 a 2017, Ivete esteve sob o regime de proteção policial. Apesar de o Ministério Público ter determinado o retorno da escolta, a defensora optou por abrir mão do programa e voltou a morar em seu território e a trabalhar na lavoura e no extrativismo. “O psicológico fica muito abalado, e começava uma sensação de que nunca mais eu teria liberdade. Foi um desgaste na minha vida ter que ficar longe dos meus filhos. Eu não cantei parabéns para a minha filha quando ela fez 15 anos. Eu já tive que tirar todo mundo de perto de mim. Eu fiz uma escolha que custou e me custa caro até hoje”, desabafa.

Ativista e sindicalista, Ivete Bastos dedica sua vida à Amazônia

Monocultura de soja

Em Santarém, a monocultura de soja se alastrou no Planalto Santareno, conforme reportou a Agência Pública. A região também é constituída por outros dois municípios: Belterra e Mojuí dos Campos. Desde que a fronteira foi aberta para o plantio de soja na região, no final da década de 1990, houve uma perda de 24 mil hectares de floresta amazônica para a monocultura, de acordo com dados do MapBiomas referentes aos anos 2000 a 2021. A instituição mapeia a cobertura e o uso da terra no Brasil e monitora as mudanças do território.

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“No início, a gente não tinha ideia do que era soja. Víamos a soja numa lata de óleo, destas que a gente consome. Era essa a compreensão que a gente tinha”, conta Ivete. “Então ela chega no nosso município e começa a arrasar com as nossas vidas. É nesta hora que a gente se dá conta do que é tudo isso”, desabafa. 

Comunidades tradicionais e indígenas que vivem no Planalto Santareno estão sendo intoxicadas por agrotóxicos utilizados na soja, além de sofrerem com os igarapés poluídos e com perda de plantações, seja pela falta de terra ou pelo veneno que se espalha sobre o plantio agrofamiliar. E é a essa questão que Ivete se refere ao dizer que a vida das pessoas está sendo arrasada. “A soja destruiu muitas comunidades e derrubou a floresta. Ela também diminuiu a nossa produção agrofamiliar e assoreou nossos igarapés. A [monocultura da] soja, para nós, é a cultura da morte”, afirma a agricultora.

Apesar do choro e da perda, a sindicalista e agricultora diz que a força para a luta se estabelece na lembrança do esforço daqueles que já “tombaram” por proteger a Amazônia. “Quando estou com muita dor, aflita, pensando em meus irmãos e irmãs que estão lá em áreas de conflito, eu chamo a irmã Dorothy, dona Maria, o Chico Mendes e tantos outros que já lutaram pela floresta e por quem vive nela. Eles estão aqui. Não é possível que eles não estejam aqui olhando e nos encorajando a ter fé e esperança para continuar na batalha.” E conclui: “Todos deveriam entender que a floresta é um lugar de paz e equilíbrio”.

 

 

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